Os primeiros sinais da depressão
A depressão que dói no corpo dor de barriga, nas têmporas, nas costas, esses podem ser os primeiríssimos sinais de que alguém está prestes a mergulhar de cabeça em um quadro depressivo, alertam médicos.
Há boas chances de um sintoma físico aparecer muito antes de
a tristeza profunda ficar estampada na cara da vítima de depressão e ela não
conseguir mais esconder sua perda de interesse pelo mundo exterior. Hoje os
cientistas sabem: o quadro depressivo tende a emergir na forma dos mais
diversos tipos de dor no corpo. E não confunda isso com um processo de
somatização, em que distúrbios emocionais produzem mal-estar orgânico. Nada
disso. Não se trata de algo como uma sugestão da mente entristecida sobre o organismo.
“Trata-se, sim, de um fenômeno eminentemente bioquímico”, põe os pingos nos is
Renato Sabbatini, neurofisiologista da Universidade Estadual de Campinas, a
Unicamp, que fica no interior paulista.
“Os circuitos que a depressão ativa são íntimos de regiões
do sistema nervoso, inclusive o autônomo, que comanda o funcionamento dos
órgãos”, explica Sabbatini. Ricardo Alberto Moreno, do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas de São Paulo, emenda: “Cerca de 60% dos casos da
doença são associados a males orgânicos, a maioria deles acompanhada de dor”.
De que maneira uma alteração na massa cinzenta repercute no
corpo e, ao mesmo tempo, interfere na alegria de viver? Os cientistas apontam o
dedo acusador para o mau funcionamento da serotonina, da noradrenalina e da
dopamina. O trio de neurotransmissores, fundamental na regulação do humor,
circularia com menos eficiência entre os neurônios de um deprimido e isso
dificultaria a transmissão de milhares de mensagens químicas. E aí, em um
efeito dominó, outras falhas de comunicação apareceriam. “A ausência dessas
substâncias prejudica diversas áreas, inclusive as responsáveis por inibir
dores”, explica Telma Gonçalves de Andrade, especialista em psicofisiologia da
Universidade Estadual Paulista, a Unesp, em Assis, também no interior de São
Paulo.
O sistema imunológico é outro afetado. “Os deprimidos correm
um risco três ou quatro vezes maior de adoecer”, conta Sabbatini. Também pode
acontecer de uma série de doenças aproveitar a brecha criada pelos neurotransmissores.
Ou seja, quem de repente passa a ficar doente com muita freqüência não deve se
conformar com a velha explicação: ah, isso é estresse. É preciso refletir se
não existe algo mais profundo (e tristonho) por trás.
O sono é mais um que acusa prejuízos quando o cérebro está
deprimido. Sabe-se que a ausência de serotonina atrapalha o adormecer, mas esse
não é o único ponto. O desbalanceamento químico por trás do transtorno
emocional afeta todo o ciclo circadiano, ou seja, o relógio que regula o funcionamento
do organismo ao longo das 24 horas. Assim, a pessoa perde a sincronia com o
meio ambiente, afetando a quantidade e, principalmente, a qualidade das horas
dormidas.
Os médicos querem divulgar cada vez mais aos leigos e aos
próprios colegas que nem sempremelancolia é depressão. “Tristezas fazem parte
da vida”, lembra Sabbatini. Ao mesmo tempo, nem sempre a depressão se enquadra
no retrato da pessoa arrasada, trancafiada no quarto, muda… Ela pode estar
escamoteada nos tais sintomas físicos – em casos raros, a angústia nem chega a
brotar, só as dores do corpo é que afloram e ficam sem alívio até a cabeça ser
tratada. Com antidepressivos ou tratamento clínico.
No mês passado, a Associação Brasileira de Familiares Amigos
e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), em parceria com o Instituto
Ibope, promoveu na capital paulista a pesquisa “Investigando a Depressão”. O
intuito, mais do que mapear a prevalência do mal na cidade, é verificar por
meio de questionários a porcentagem de indivíduos provavelmente deprimidos que
relatam dores físicas. E, deles, quantos estão longe de ligar o malestar à
enfermidade da mente. A depressão já ocupa o quarto lugar no ranking das causas
globais de incapacidade. Até 2020 deverá ser a segunda. Por isso, a idéia é
rastrear a população e descobrir onde estão suas próximas vítimas – antes que
deixem de sair de casa, trabalhar, conviver com a família e os amigos.
Além de remédios, os especialistas apostam na psicoterapia –
seja a cognitiva comportamental, que estimula o deprimido a deixar de lado
pensamentos destrutivos, seja a interpessoal, que identifica situações de
conflito para aprimorar a capacidade de o paciente interagir e aliviar o
abatimento. “Estudos de neuroimagem comprovam que a eficácia desses tratamentos
é similar à dos remédios”, revela Helena Maria Calil, professora titular de
psicofarmacologia da Universidade Federal de São Pauloe presidente da Abrata.
Quando a depressão é tratada corretamente, diga-se, o ânimo volta e as dores,
onde estiverem, esvaecem.
Fonte: Saude.abril